A jornada de um homem que mudou a história da humanidade ao dizer “sim” ao chamado de Deus — e o que isso revela sobre o plano eterno de redenção.
![]() |
Representação artística de Abraão, o patriarca bíblico chamado por Deus para iniciar uma linhagem santa e eterna — origem da fé messiânica./Imagem criada por IA para ilustração |
A origem de Abraão: de Ur ao chamado divino
Abraão, originalmente chamado Abrão (אַבְרָם, Avram), aparece pela primeira vez em Gênesis 11:26. Filho de Terá, era descendente de Sem, filho de Noé. Sua terra natal era Ur dos caldeus, uma metrópole rica da antiga Mesopotâmia (atual sul do Iraque). Ur era centro de adoração ao deus-lua Nanna, o que sugere que Abrão cresceu em um ambiente politeísta.
No entanto, o Deus único — YHWH — o chama para uma jornada de fé que mudaria a história:
"Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei." (Gn 12:1)
Este chamado marca o início de um caminho profético e messiânico, que liga Abraão diretamente à revelação de Yeshua no Novo Testamento (Mt 1:1).
O significado do nome e a mudança de identidade
O nome Abrão significa “pai exaltado” (av = pai + ram = elevado). Mas em Gênesis 17:5, Deus muda seu nome para Abraão (אַבְרָהָם, Avraham), que significa “pai de uma multidão”:
"Porque por pai de muitas nações te tenho posto."
A mudança de nome simboliza uma nova identidade espiritual e uma ampliação do propósito. O sufixo “-ham” pode estar ligado à raiz hebraica hamon (המון), que significa “multidão” ou “ruído de muitos”.
A aliança eterna: berit olam
Em Gênesis 15 e 17, Deus firma uma aliança (בְּרִית, berit) com Abraão, prometendo-lhe:
-
Uma descendência incontável
-
A terra de Canaã por herança perpétua
-
A presença divina como Deus de seus descendentes
-
A circuncisão como sinal físico da aliança
Esta aliança é eterna (olam, עוֹלָם), uma expressão que aponta para a dimensão escatológica do Reino de Deus. O apóstolo Paulo interpreta essa promessa como profecia messiânica:
“Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência... à tua descendência, que é Cristo.” (Gl 3:16)
O teste supremo: o sacrifício de Isaque
O episódio mais dramático da vida de Abraão é o chamado “Aqedah” (עֲקֵדָה), o atamento de Isaque, narrado em Gênesis 22.
Deus ordena que Abraão ofereça seu filho Isaque como sacrifício. No último instante, um anjo intervém e um carneiro é providenciado.
A cena é carregada de tipologia messiânica:
-
Pai oferecendo o filho unigênito
-
Monte Moriá, local onde séculos depois o Templo seria construído (2 Cr 3:1)
-
Substituição do sacrifício por um cordeiro, imagem clara do sacrifício de Yeshua
Yeshua alude a esse episódio:
“Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, e viu-o, e ficou feliz.” (Jo 8:56)
Sara e Hagar: o drama das promessas e seus cumprimentos
Sara, esposa de Abraão, estéril até idade avançada, é um símbolo de milagre e fé. Ao tentar “ajudar” a promessa, Abraão tem um filho com Hagar, serva egípcia: Ismael, pai de muitas nações árabes.
Contudo, a promessa era para um filho da aliança: Isaque, nascido de Sara aos 90 anos.
Paulo vê esses dois filhos como representações de duas alianças (Gl 4:22-31):
-
Hagar = Monte Sinai, escravidão
-
Sara = Jerusalém celestial, liberdade
Os outros filhos de Abraão: o legado esquecido de Quetura
Quando se fala em filhos de Abraão, a maioria dos leitores lembra de Ismael, nascido de Hagar, e Isaque, nascido de Sara. No entanto, Gênesis 25:1-6 revela que, após a morte de Sara, Abraão tomou outra esposa chamada Quetura (קְטוּרָה, Qetûrā) e teve com ela seis filhos: Zinrã, Jocsã, Medã, Midiã, Isbaque e Suá.
“E Abraão tomou outra mulher, cujo nome era Quetura. E deu-lhe ela a luz a Zinrã, Jocsã, Medã, Midiã, Isbaque e Suá.” (Gênesis 25:1-2)
Quem foi Quetura?
Quetura, embora menos conhecida, ocupa um papel fundamental na ampliação da promessa feita a Abraão. Seu nome vem da raiz hebraica qṭr (קטר), que pode se referir a “incenso” ou “perfume queimado”, remetendo a algo agradável, aromático, que sobe aos céus — possivelmente uma alusão simbólica ao favor de Deus sobre essa nova etapa da vida de Abraão.
O texto de 1 Crônicas 1:32 confirma sua identidade como “concubina”, embora Gênesis 25 a chame de “esposa”. Isso pode apontar para uma relação socialmente distinta daquela com Sara, mas ainda legítima e abençoada.
Os filhos de Quetura e as nações que surgiram
Esses seis filhos deram origem a tribos e nações que habitaram partes da Arábia e do Oriente Médio. Vamos observá-los brevemente:
-
Zinrã – Possivelmente ligado a povos do norte da Arábia.
-
Jocsã – Pai de Seba e Dedã; Dedã aparece em Ezequiel 38:13, associado a regiões comerciais.
-
Medã – Nome ligado a clãs árabes.
-
Midiã – O mais famoso dos filhos de Quetura; os midianitas aparecem amplamente na Bíblia (Êxodo, Juízes). Moisés casou-se com Zípora, filha de um sacerdote midianita (Êxodo 2:16-21).
-
Isbaque e Suá – Menos conhecidos, mas ligados a tribos ao oriente de Canaã.
Abraão, então, foi pai de várias nações, não apenas de Israel e dos árabes ismaelitas. Isso torna a promessa de Gênesis 17:5 literal e extraordinariamente cumprida:
“Porque por pai de muitas nações te tenho posto.”
O que Abraão fez com esses filhos?
“Porém deu Abraão dádivas aos filhos das concubinas que teve; e, estando ainda vivo, os despediu, enviando-os para o oriente, para a terra oriental, longe de Isaque, seu filho.” (Gênesis 25:6)
Abraão respeita a primazia da promessa feita a Isaque, mas também honra os demais filhos com dádivas — um gesto que revela sabedoria, justiça e organização profética. Ao enviá-los para o oriente (Qedem – קֶדֶם, que também significa “antiguidade” ou “origem”), ele não apenas os afasta de um possível conflito de herança, mas pode também estar cumprindo um papel redentor e missionário, espalhando a semente da fé para o leste.
Implicações proféticas e messiânicas
A descendência de Abraão, portanto, é mais ampla do que geralmente se prega. A presença dos filhos de Quetura reforça o alcance global da bênção prometida:
“Em ti serão benditas todas as famílias da terra.” (Gênesis 12:3)
Muitos estudiosos e intérpretes messiânicos apontam que os magos do oriente (Mt 2:1-12), que vieram adorar o menino Yeshua, podem ter origens espirituais ligadas à linhagem dos filhos de Quetura, especialmente de Midiã, que preservou certa reverência ao Deus de Abraão. É uma especulação plausível e rica em significado: os filhos enviados ao oriente podem ter levado com eles ecos da fé patriarcal.
Por que essa parte da história é muitas vezes esquecida?
Essa omissão pode estar ligada a três fatores:
-
Foco teológico na linhagem messiânica, que passa por Isaque, Jacó e Judá, tornando os demais filhos “secundários” no plano redentor.
-
Desconhecimento cultural: como os filhos de Quetura se misturaram com povos árabes, muitos os confundem com ismaelitas ou os ignoram completamente.
-
Falta de valorização do plano de Deus como múltiplo e abrangente, mesmo dentro do contexto das alianças específicas.
Mas a Escritura não os esquece — e o plano de Deus para abençoar todas as nações inclui os povos oriundos de Quetura. O Novo Testamento afirma:
“De um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra...” (Atos 17:26)
Abraão como figura escatológica
Abraão não é apenas um personagem do passado. Ele é chamado de:
-
Pai da fé (Rm 4:11)
-
Amigo de Deus (Tg 2:23)
-
Exemplo de justificação pela fé antes da Torá escrita (Gn 15:6; Rm 4:3)
O Messias é chamado de “Filho de Abraão” (Mt 1:1), e os gentios que creem são enxertados em sua herança espiritual (Gl 3:7-9).
O papel de Abraão é central para conectar o Antigo e o Novo Testamento, revelando o Reino de Deus como um plano contínuo desde Gênesis até Apocalipse.
Costumes e contexto cultural: como vivia um patriarca?
Abraão viveu entre 2000 e 1800 a.C., em uma cultura semítica tribal. Sua relação com Deus se dava fora dos templos, em altares e tendas. A hospitalidade, o pastoreio e a autoridade patriarcal eram traços essenciais.
Curiosamente, mesmo sendo estrangeiro em Canaã, Abraão negocia com respeito e é reconhecido como “príncipe de Deus” (Gn 23:6) entre os heteus. Isso mostra sua influência e reputação, mesmo como forasteiro.
Onde Abraão aparece nas Escrituras?
Além do Gênesis (caps. 11–25), Abraão é citado:
-
Por Yeshua: João 8, Lucas 16 (parábola do rico e Lázaro), Lucas 13:28
-
Em Romanos 4 e Gálatas 3–4 como exemplo de fé
-
Em Hebreus 11 como herói da fé
-
No livro de Neemias 9:7 e Isaías 51:2 como lembrança do chamado e da promessa
-
Em Tiago 2:21-24, como justificado pelas obras que demonstram a fé
A morte de Abraão e seu legado eterno
Abraão morre aos 175 anos e é enterrado na caverna de Macpela (Gn 25:7-10). O local permanece como um dos mais sagrados até hoje, reverenciado por judeus, cristãos e muçulmanos.
Seu legado não está apenas na descendência física (judeus e árabes), mas sobretudo na descendência espiritual daqueles que creem no Deus único, através do Messias Yeshua.
Cruzamento de textos: Abraão e o plano de redenção
Texto Antigo | Cumprimento / Referência no Novo Testamento |
---|---|
Gn 12:3 – Em ti serão benditas todas as famílias da terra | Atos 3:25; Gálatas 3:8 |
Gn 15:6 – Abraão creu e isso lhe foi imputado por justiça | Romanos 4:3; Gálatas 3:6 |
Gn 22 – Sacrifício de Isaque | João 3:16; Hebreus 11:17-19 |
Gn 17 – Aliança eterna | Lucas 1:72-73; Efésios 2:12-13 |
Conclusão: O que Abraão ensina a nós hoje
Abraão representa o projeto original de Deus com a humanidade: um relacionamento baseado na confiança, obediência e fé. Ele deixou tudo, caminhou para o desconhecido e entrou numa aliança que ainda está em vigor por meio do Messias.
Sua história convida o leitor moderno a sair de uma fé genérica para uma aliança profunda, real e eterna com o Deus de Israel. E mais: ela nos lembra de que a redenção não começou em Mateus, mas em Gênesis — e que o plano ainda está em andamento.
Comentários
Postar um comentário