Para compreendermos a narrativa bíblica de forma profunda e fiel ao contexto original, é essencial voltar ao ponto de partida: Abraão. Ele é o primeiro personagem das Escrituras a ser chamado de “hebreu” (עֵברֵי, Ivri) em Gênesis 14:13. O termo deriva da raiz hebraica avar (עבר), que significa "passar, atravessar". Abraão é o homem que atravessa: o Eufrates, as fronteiras de sua terra natal, e também os paradigmas espirituais do seu tempo.
Abraão vivia em Ur dos Caldeus, uma civilização sofisticada e politeísta. Ao ouvir a voz de um único Deus verdadeiro, ele se desloca para uma terra desconhecida (Gn 12:1), inaugurando uma nova linhagem espiritual. A escolha de Abraão é, portanto, um marco profético: Deus começa a formar um povo que o represente no mundo. Já existiam muitas nações, mas Deus escolhe um homem para, por meio dele, criar uma identidade distinta.
De doze tribos a uma nação: o nascimento dos israelitas
A promessa a Abraão se cumpre de forma progressiva. Seu neto Jacó recebe de Deus um novo nome: Israel (יִשׁ׆רֵאל), que significa "aquele que luta com Deus" (Gn 32:28). A partir de Jacó nascem doze filhos, cada um dando origem a uma tribo. Esses descendentes formam o que viria a ser conhecido como “os filhos de Israel” ou “os israelitas”.
O termo “israelita”, portanto, designa os descendentes diretos de Jacó-Israel. Essa identidade nacional se consolida com o êxodo do Egito e a aliança no Sinai, quando Deus entrega sua Torá à nação (Ex 19). É importante ressaltar que essa não era uma sociedade qualquer: era uma nação-sacerdote, chamada para ensinar as outras nações sobre o Deus verdadeiro (Ex 19:6).
A divisão do reino e o surgimento do termo “judeu”
Com o passar do tempo, após o reinado de Salomão, o Reino de Israel se divide em dois: Reino do Norte (Israel) e Reino do Sul (Judá). A maior parte das tribos compõe o Reino do Norte, que é conquistado pela Assíria em 722 a.C. e, com o tempo, suas tribos são dispersas. Já o Reino do Sul, que inclui as tribos de Judá, Benjamim e os levitas, permanece por mais tempo.
É aqui que surge o termo “judeu” (do hebraico יהודי, Yehudi), originalmente designando o membro da tribo de Judá. Com o exílio babilônico, e a posterior restauração sob Esdras e Neemias, o termo passa a ser usado para todos os descendentes do Reino do Sul, e posteriormente para qualquer israelita que preservasse a Torá.
Esse desenvolvimento é importante: “judeu” não era o nome original de todo o povo de Deus, mas se tornou o termo mais comum especialmente no período do Segundo Templo. Yeshua, por exemplo, era judeu por descendência davídica e nascido na região de Judá (Lc 2:4).
As festas bíblicas e a identidade cultural do povo de Deus
Apesar das infidelidades recorrentes do povo, há algo que nunca se perdeu completamente: a consciência de uma identidade espiritual baseada na Torá e nas festas estabelecidas por Deus (Lv 23). Essas festas não são apenas tradições culturais, mas marcos proféticos que revelam o plano da redenção.
A Páscoa (Pessach), por exemplo, aponta para a redenção em Yeshua (1Co 5:7). Shavuot (Pentecostes) para a entrega do Espírito. Sukkot (Tabernáculos) para o Reino futuro. Os israelitas, mesmo em cativeiro, preservaram essas festas. Isso demonstra que sua identidade não era meramente étnica, mas espiritual.
Yeshua e a restauração do povo escolhido
O Messias surge no meio desse povo que já não era mais chamado de israelita em sua maioria, mas de judeu. No entanto, Yeshua vem restaurar algo maior: não apenas a tribo de Judá, mas reunir as ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt 15:24), cumprindo profecias como as de Ezequiel 37 e Oséias 1.
Ao morrer e ressuscitar, Ele inaugura a possibilidade de qualquer pessoa, de qualquer nação, ser enxertada no povo de Deus (Rm 11). Mas isso não significa apagar a identidade original; pelo contrário, significa que agora podemos participar dela.
Por que isso importa hoje? O erro de ignorar o contexto bíblico
Muitos acreditam que saber se Abraão era hebreu, israelita ou judeu não faz diferença. Pensam que hoje basta “fazer o bem” para ir ao céu. Mas isso é fruto de uma desconexão com a narrativa bíblica. Sem entender o povo que Deus formou, sua cultura, seu calendário e sua missão, é impossível compreender plenamente o papel de Yeshua.
Como escreveu Paulo: “A eles pertencem a adoção, a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas” (Rm 9:4). Quando ignoramos isso, perdemos a conexão com a raiz da fé.
Hoje, muitos estão redescobrindo essas verdades. As Escrituras, os profetas, os ensinos do Messias e a esperança futura só podem ser plenamente compreendidos quando retornamos à base: o povo escolhido, sua identidade e seu chamado profético.
Conclusão
Entender a transição de hebreu para israelita e depois para judeu é mais do que uma lição de história. É um resgate da narrativa original de Deus. Yeshua não veio fundar uma nova religião, mas restaurar Israel e abrir as portas do Reino para todos os povos. Conhecer essa jornada é essencial para nos posicionarmos corretamente como participantes da promessa.
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