O nome “Éden” aparece no hebraico como עֵדֶן (ʿēḏen), termo que significa “deleite” ou “prazer” (cf. BDB ʿēḏen H5731). A primeira menção está em Bereshit (Gênesis) 2:8, com o verbo וַיִּטַּע (vayyittaʿ) — “e plantou” — em tempo narrativo passado, indicando uma ação concreta:
“וַיִּטַּע יְהוָה אֱלֹהִים גַּן־בְּעֵדֶן מִקֶּדֶם”
Vayyittaʿ YHWH Elohim gan bəʿēḏen miqqedem
“E plantou YHWH Elohim um jardim em Éden, na direção do oriente…”
A estrutura hebraica não dá margem para interpretação simbólica ou mitológica. O texto descreve um ato deliberado e geográfico: um “gan” (גַּן, jardim fechado), “miqqedem” (מִקֶּדֶם, do oriente ou desde a antiguidade). Há tempo, espaço e sujeito definidos.
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Quatro rios, um enigma: o mapa perdido do Éden
O mais desconcertante elemento geográfico está em Bereshit 2:10–14. Ali, quatro rios saem de Éden:
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Pishon – que “rodeia toda a terra de Havilá”
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Guiom – “que circunda a terra de Cush (Cushe/Cuxe)”
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Hiddekel – identificado como o Tigre
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Pharat – o Eufrates
A presença do Eufrates e do Tigre (dois rios reais, mesopotâmicos) embasa fortemente a ideia de localização histórica. Já os outros dois, Pishon e Guiom, permanecem obscuros.
A menção a “Havilá” sugere a Península Arábica (cf. 1Sm 15:7), enquanto “Cush” geralmente é associada ao Alto Nilo (atual Sudão/Etiopia). Essa mistura geográfica desafia os mapas modernos, mas indica uma memória ancestral de um ponto de confluência entre civilizações — algo presente nos relatos sumérios sobre Dilmun, um paraíso perdido associado ao Bahrein ou Golfo Pérsico.
Éden e Dilmun: a conexão suméria oculta na Torá
Nas tábuas de Nippur e Lagash, datadas do 3º milênio a.C., o paraíso original dos deuses era chamado Dilmun: uma terra “pura, limpa, brilhante”, onde não havia doença, morte nem velhice — ecoando as condições do Éden hebraico.
Dilmun era descrito como “no leste”, com água abundante e árvores frutíferas, e como o lugar onde os primeiros humanos viviam em harmonia com os deuses.
O paralelismo é tão forte que estudiosos como Samuel Noah Kramer e Thorkild Jacobsen propuseram que o autor de Gênesis 2–3 estivesse respondendo — ou reinterpretando — uma tradição anterior mesopotâmica. Mas há um detalhe crucial: em Gênesis, o homem não é feito para servir aos deuses, como nos mitos sumérios, e sim para “guardar e cultivar” (עָבַד וְשָׁמַר) o jardim de YHWH (Gn 2:15).
O “gan” de Éden era um templo? A morfologia indica isso
A palavra גַּן (gan) aparece em contextos associados a jardins reais ou templos murados (cf. Is 58:11; Ct 4:12). No Tanakh, “jardim” frequentemente remete à morada da presença divina (cf. Ez 28:13). E o verbo עָבַד (ʿābad – cultivar/servir) junto a שָׁמַר (shāmar – guardar) compõem exatamente o vocabulário sacerdotal do culto no Mishkan (cf. Nm 3:7–8).
Isso leva muitos estudiosos a sugerir que o Éden funcionava como protopadrão do Templo, com:
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um “centro” onde está a “Árvore da Vida” (menorá?)
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um querubim guardando a entrada oriental (como em Êx 25:18)
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acesso restrito (expulsão do homem como expulsão sacerdotal)
Evidência arqueológica: jardins murados na Suméria e Elam
Escavações em Nippur, Eridu e Ur revelaram estruturas com canais de irrigação, hortas e muralhas, conectadas a templos centrais. No sítio de Eridu, considerado “a primeira cidade” na tradição suméria, há indícios de uma construção sagrada cercada de vegetação — com acesso limitado e entrada oriental, paralela à narrativa bíblica.
Mais ao sul, no planalto iraniano (Elam), foram descobertas inscrições sobre um “jardim dos deuses” com árvores exóticas e água corrente, semelhante ao Éden.
A espada flamejante e os querubins: pista arqueológica ou teológica?
O texto hebraico diz:
“וַיַּשְׁכֵּן מִקֶּדֶם לְגַן־עֵדֶן אֶת־הַכְּרוּבִים וְאֵת לַהַט הַחֶרֶב הַמִּתְהַפֶּכֶת”
Vayyashken miqqedem ləgan-ʿēḏen ʾet-hakkeruvim vəʾet lahaṭ haḥerev hammithappeket
“E estabeleceu no oriente do Éden os querubins e a chama da espada giratória...”
A imagem lembra os portões assírio-babilônicos com figuras aladas guardiãs — lamassu — combinando corpo de touro, asas de águia e rosto humano. Essa iconografia poderia ter sido reinterpretada no imaginário israelita como os keruvim (כרובים), presentes na tampa da Arca.
O que diz a LXX? E os Targumim? A visão antiga do Éden
Na Septuaginta (LXX), Éden é transliterado como “Eden”, e gan é traduzido por παράδεισος (parádeisos) — termo persa que significa “jardim murado real”. Isso influenciaria o Novo Testamento e o imaginário cristão.
Nos Targumim aramaicos, como o Tg. Onkelos e Tg. Pseudo-Jonathan, o Éden é interpretado de forma mais espiritualizada, mas sem negar sua existência concreta. Por exemplo:
“...gan beʿēden, diy meṭul teḥei yehiv...”
“...o jardim em Éden, onde a vida foi dada...”
A tradição rabínica pós-templo começa a fundir o Éden com o olam haba (mundo vindouro), mas isso é posterior e não reflete o texto original.
Bloco Técnico
Texto Original: Gênesis 2:8
וַיִּטַּע יְהוָה אֱלֹהִים גַּן־בְּעֵדֶן מִקֶּדֶם
Transliteração (SBL):
Vayyittaʿ YHWH ʾElohim gan bə-ʿēḏen miqqedem
Tradução interlinear literal:
"E plantou YHWH Elohim um jardim em Éden, do oriente"
Análise Morfológica:
| Palavra | Morfologia | Tradução |
|---|---|---|
| וַיִּטַּע | waw + Qal, impf. 3ms (נטע) | e plantou |
| יְהוָה | Nome Próprio | YHWH |
| אֱלֹהִים | subst. masc. pl., com verbo sing. | Elohim |
| גַּן | subst. masc. sing. | jardim fechado |
| בְּעֵדֶן | prep. + subst. masc. sing. | em Éden |
| מִקֶּדֶם | prep. + adv. | do oriente / desde antigamente |
Confiabilidade Textual: A
Base textual uniforme entre BHS, LXX, Peshitta e manuscritos do Mar Morto (4QGenb).
Referências Filológicas:
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HALOT: עֵדֶן – “luxury, delight”
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BDB: עֵדֶן – “pleasure, delight”
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BDAG (para parádeisos): “garden, park, especially royal garden”
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LXX: Gênesis 2:8 (Rahlfs ed.)
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NA28: referência cruzada com Lucas 23:43 (“hoje estarás comigo no paraíso”)
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Strong’s H5731 (ʿēḏen), G3857 (paradeisos)

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