Durante séculos, a ideia de um inferno eterno — lugar de tormento consciente e sem fim — moldou não apenas religiões, mas civilizações inteiras. Do púlpito ao cinema, do medo ao dogma, o “inferno” tornou-se um símbolo absoluto. Mas uma pergunta atravessa as gerações: essa doutrina vem realmente dos textos originais da Bíblia Hebraica?
Este artigo é uma investigação textual, histórica e profética. Com base em manuscritos hebraicos, gregos e aramaicos anteriores à destruição do Segundo Templo, confrontamos traduções influenciadas por culturas externas — e buscamos restaurar a cosmovisão original sobre a morte, o juízo e o destino eterno da humanidade.
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O lugar dos mortos no hebraico bíblico
Sheol (שאול): o silêncio da morte, não o fogo da punição
O termo Sheol aparece 65 vezes no Tanakh. Em hebraico, Sheol (Strong’s H7585 | Subst. masc. sing.) deriva de uma raiz que significa "pedir, reivindicar" — como um lugar que consome vidas, sem distinção de justos ou ímpios.
“Descenderei pranteando até meu filho, ao Sheol.”
— Bereshit (Gênesis) 37:35
“Tu não abandonarás minha alma no Sheol, nem permitirás que teu santo veja corrupção.”
— Tehillim (Salmos) 16:10
Sheol é região dos mortos, não prisão dos condenados. Justos como Yaakov, David e até Yeshua são descritos como descendo a ele. A visão hebraica é de suspensão, não tormento.
📘 Em versões como Almeida e NVI, Sheol é frequentemente traduzido como "inferno", "sepultura" ou "abismo", causando colapsos semânticos e teológicos graves.
Palavras de Yeshua mal traduzidas: Geena
Geena (γέεννα): o vale profanado — símbolo do juízo final
O termo Geena (Strong’s G1067 | Subst. fem. sing.) aparece 12 vezes nos Evangelhos, sempre nos lábios de Yeshua. Ele não o inventou: era o nome grego do Gê-Hinnom (גֵּי הִנֹּם) — um vale real, a sudoeste de Yerushalayim.
“Teme antes aquele que pode destruir tanto a alma como o corpo na Geena.”
— Mattityahu (Mateus) 10:28
O Vale de Hinom foi historicamente local de cultos a Molech — incluindo sacrifícios infantis por fogo (2Rs 23:10). Por isso, tornou-se um símbolo escatológico de julgamento, não um lugar ativo de punição pós-morte.
🧭 Na mente dos ouvintes de Yeshua, Geena evocava juízo vindouro e reversão cósmica, não um abismo onde almas queimam por toda eternidade. Essa imagem literalista é posterior.
Uma exceção Grega: Tártaro
Tártaro (τάρταρος): uma referência mitológica única
A palavra Tártaro aparece uma única vez em toda a Escritura:
“Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os lançou no Tártaro...”
— 2 Kefa (Pedro) 2:4
• Tartaroo (lançar ao Tártaro) – Strong’s G5020 | Verbo aor. ativo
Essa é uma referência direta à mitologia grega, onde o Tártaro é um abismo inferior reservado aos titãs. No contexto da epístola, o termo é usado de forma figurada, para reforçar a gravidade da transgressão angélica.
⚠️ Não é um lugar para humanos. Nem é um conceito hebraico.
A origem do "inferno": Construção, não Revelação
O que hoje chamamos de “inferno” é uma construção teológica híbrida — fundida entre o imaginário grego, traduções latinas e teologias medievais:
| Influência | Elemento | Detalhes |
|---|---|---|
| Mitologia grega | Hades, Tártaro | Platão, Homero, Hesíodo |
| Judaísmo apocalíptico | Dualismo no Sheol | 1Enoque, 4Esdras |
| Cristianismo latino | Inferno eterno | Tertuliano, Agostinho |
| Arte medieval | Fogo, demônios, eternidade | Dante (Inferno), Bosch |
Na Vulgata Latina, feita por Jerônimo, Sheol, Hades, Geena e até Tártaro foram todos traduzidos como “infernus” — sem distinção. Foi essa fusão que deu origem à imagem atual de inferno eterno.
Esperança Hebraica: Ressureição, não a condenação
A esperança escatológica dos profetas hebreus não era escapar do inferno — mas ser levantado do Sheol no grande Dia de YHWH.
“E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para vida eterna, outros para vergonha e desprezo eterno.”
— Daniel 12:2
“Vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz.”
— Yochanan (João) 5:28
O juízo, segundo Yeshua, não ocorre logo após a morte, mas na ressurreição.
Eterno não é o tormento — é o resultado final do juízo: vida ou destruição.
🧠 A doutrina do inferno eterno desvia o foco do juízo justo e da ressurreição prometida. Substitui temor reverente por terror teológico.
O "inferno" não existe no Hebraico Bíblico
Nenhum manuscrito hebraico — do Tanakh, da Torah, dos profetas ou dos salmos — menciona a palavra “inferno”. Ela simplesmente não existe no vocabulário revelado por YHWH.
Em vez disso, o Tanakh fala de Sheol (região dos mortos) e os Escritos Apostólicos falam de ressurreição, Geena e destruição eterna.
A imagem de almas eternamente queimando surge fora do solo da Escritura.
Voltar à Palavra
Este não é um convite ao alívio superficial — mas um chamado à fidelidade textual.
O ensino de Yeshua aponta para justiça, não especulação. Para juízo santo, não tormento arbitrário.
A restauração começa quando abandonamos os ecos de Dante e voltamos à esperança de Daniel.
“A boca fala do que está cheio o coração.”
— Lucas 6:45
Que nossa boca fale luz — não medo.
Bloco Técnico
| Termo | Tradução | Strong’s | Morfologia | Referência |
|---|---|---|---|---|
| Sheol | Sepultura / Região dos mortos | H7585 | Subst. masc. sing. | Gn 37:35; Sl 16:10 |
| Geena | Vale de Hinom / Juízo escatológico | G1067 | Subst. fem. sing. | Mt 5:29; Mc 9:43 |
| Tártaro | Abismo simbólico para anjos caídos | G5020 | Verbo | 2Pe 2:4 |

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