Namoro Existe na Bíblia? O Que os Escritos Originais Dizem sobre o Amor e a Escolha do Companheiro(a)

O termo “namoro” só surgiu como prática social a partir do século XIX, com o avanço da cultura urbana, o declínio dos casamentos arranjados e o surgimento da afetividade como critério para a escolha conjugal. No mundo antigo — incluindo os tempos de Yeshua — o casamento era um compromisso familiar, tribal e espiritual, e não um experimento emocional.

Na língua hebraica dos Escritos, não existe uma palavra equivalente a "namorar", e muito menos qualquer cena semelhante ao namoro moderno (passeios, mensagens românticas, intimidade sexual antes do compromisso formal). Em vez disso, vemos o uso de termos como:

  • קִדּוּשִׁין (qiddushin) — consagração, noivado legal

  • אֵרוּסִין (erusin) — desposório, etapa formal anterior ao casamento

  • בְּרִית (berit) — aliança entre duas pessoas diante de YHWH

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A busca por um companheiro(a) era um caminho de aliança, não de experimentação

Nos manuscritos antigos, os jovens não "testavam" relacionamentos. O foco não era "achar alguém que me faça feliz", mas sim discernir quem era compatível para formar uma Berit (aliança) duradoura diante do Elohim de Israel.

Isso aparece com força em Gênesis 24, na história da escolha de Rivqah (Rebeca) para Yitzḥaq (Isaque). Ali, vemos critérios como:

  • oração e direção divina (Gn 24:12-14)

  • caráter demonstrado em ações (Rebeca oferece água aos camelos — um teste de generosidade, não de beleza)

  • acordo familiar com bênção espiritual (Gn 24:60)

Não há flertes nem "sentimentos testados", mas um processo baseado em valores, oração e compromisso.

Amor na Escritura é decisão de aliança, não sentimento volátil

O amor bíblico é diferente do amor romântico moderno. Em hebraico, o termo אַהֲבָה (ahavah) aparece associado a:

  • aliança com YHWH (Dt 6:5)

  • fidelidade (Os 2:19-20)

  • respeito mútuo (Ct 8:7)

Já o termo grego ἀγάπη (agápē), nos Escritos Nazarenos, aponta para um amor ativo, sacrificial, baseado em ação e compromisso — como em Efésios 5:25:

“Maridos, amai vossas esposas, como também o Messias amou a comunidade e a si mesmo se entregou por ela”.

Este não é um sentimento romântico passageiro, mas um amor que escolhe, permanece e sacrifica.

Yeshua falou sobre namoro? O silêncio que diz muito

Yeshua haMashiach nunca falou sobre namoro, mas falou sobre pureza de coração (Mt 5:8), intenção no olhar (Mt 5:28), compromisso conjugal (Mt 19:3-6), e sobre fidelidade à aliança do início:

“No princípio, o Criador os fez homem e mulher... e os dois se tornarão uma só carne. Portanto, o que Elohim uniu, ninguém separe.” (Mt 19:4-6)

Para Yeshua, qualquer relação amorosa fora do eixo aliança + fidelidade + propósito divino não era legítima.

Shaul fala aos solteiros: melhor não casar?

O apóstolo Shaul (Paulo) recomenda em 1Coríntios 7 que, diante da urgência escatológica de sua geração, era bom permanecer como ele — solteiro. Mas reconhece que nem todos têm o mesmo dom, e que o casamento é legítimo e honroso.

“Se alguém pensa que está agindo de forma imprópria com sua noiva... case-se; isso não é pecado.” (1Co 7:36)

Mas o foco sempre é a intenção da aliança, não o prazer do romance.

Relações sem aliança são condenadas como zanáh

O termo hebraico para relações sexuais fora da aliança é זָנָה (zanáh), que significa prostituir-se, profanar, tornar comum o que era sagrado. Isso se aplica a relações sem compromisso, promiscuidade, e também a casamentos que desprezam a santidade da aliança (cf. Oséias, Jeremias, Provérbios).

Nos Escritos Nazarenos, o termo correspondente é πορνεία (porneía), usado por Yeshua em Mt 5:32 para definir a única causa legítima de separação:

“Aquele que se separa da esposa, exceto por causa de porneía, comete adultério.”

E os sentimentos, atração, desejo? Onde entram nisso tudo?

A atração física, o desejo e os sentimentos são reais — mas nas Escrituras, eles não são guia nem critério para formar alianças. São elementos a serem disciplinados, redimidos e integrados dentro da aliança, nunca fora dela.

O Cântico dos Cânticos é um dos poucos textos que exaltam o amor erótico — mas dentro de um contexto de compromisso total.

“Não despertem o amor antes do tempo certo.” (Ct 2:7; 3:5; 8:4)

Conclusão: os jovens que buscam um amor devem buscar uma aliança — não um romance

Segundo os Escritos originais, a busca por um companheiro(a) não é um jogo de emoções nem uma série de tentativas. É um caminho de:

  • oração e discernimento

  • avaliação de caráter

  • propósito comum diante de YHWH

  • compromisso crescente em direção à Berit (aliança)

Namorar no molde moderno (sem compromisso, com intimidade, sem aliança) não tem respaldo nas Escrituras Sagradas.


Bloco Técnico

Texto Original

שִׁיר הַשִּׁירִים 2:7
הִשְׁבַּעְתִּי אֶתְכֶם... שֶׁלֹּא תָעִירוּ וְשֶׁלֹּא תְעוֹרְרוּ אֶת־הָאַהֲבָה עַד שֶׁתֶּחְפָּץ

Transliteração SBL: Hishbaʿti etkem... shelo taʿiru véshelo teʿoreru et-haʾahavah ʿad sheteḥpats.

Tradução literal interlinear:
“Eu vos faço jurar... que não desperteis nem provoqueis o amor até que ele o deseje.”

Análise morfológica:

  • הִשְׁבַּעְתִּי (hishbaʿti) – verbo hiphil, 1ª pessoa, “fazer jurar”

  • תָעִירוּ / תְעוֹרְרוּ – verbos piel/hiphil no jussivo/plural, “despertar, provocar”

  • אַהֲבָה (ahavah) – substantivo feminino singular, “amor”

  • עַד שֶׁתֶּחְפָּץ – conjunção temporal com verbo qal, 3ª f., “até que deseje”

Grau de confiabilidade textual: A (base BHS, códice de Aleppo, com apoio da LXX)

Referências filológicas:
BDB 13a: אהב – “to love, desire”
HALOT I:20 – “affection, loyalty”
LXX: μὴ ἐγείρετε τὴν ἀγάπην (não desperteis o amor)
NA28, BHS, Rahlfs, BDAG

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