O mundo moderno construiu sua memória coletiva sobre um paradoxo: aceita o tempo, mas apaga a origem. A ciência descreve a expansão do universo, mas silencia sobre seu princípio. Escolas e cátedras substituíram “bereshit” por “acaso”, e o “Dabar” — a Palavra — foi trocado por variáveis impessoais.
Mas há uma linha intacta no início de todos os manuscritos hebraicos, uma frase cuja reverberação cósmica nenhum colisor de partículas consegue calar:
“Bereshit bara Elohim et hashamayim ve'et ha'aretz.”
“No princípio criou Elohim os céus e a terra.”
— Bereshit (Gênesis) 1:1 | Texto Massorético
Esta afirmação não é apenas a introdução de um livro: é o alicerce ontológico da realidade. O erro histórico foi tratar esse verso como mito ou poesia, quando na verdade ele representa a ruptura inicial entre o Infinito e o finito — o momento em que o não-tempo deu lugar à existência mensurável.
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Base textual
O hebraico de Bereshit 1:1 contém sete palavras, 28 letras — uma simetria perfeita.
בְּרֵאשִׁית בָּרָא אֱלֹהִים אֵת הַשָּׁמַיִם וְאֵת הָאָרֶץ
Bereshit bara Elohim et hashamayim ve’et ha’aretz
Termos-chave:
-
Bereshit (בְּרֵאשִׁית) – “No princípio” | Strong’s H7225 | Subst. fem. sing. c/ preposição
-
Bara (בָּרָא) – “Criou (ex nihilo)” | Strong’s H1254 | Verbo Qal perfeito 3ª masc. sing.
-
Elohim (אֱלֹהִים) – “Poderoso(s), Divindade Suprema” | Strong’s H430 | Plural morf. com verbo singular
A ausência de artigo definido (הַ) antes de reshit indica que não se trata de um princípio qualquer, mas do princípio de todos os princípios. A construção sintática exige que o ato criador seja atribuído exclusivamente a Elohim, com total ausência de matéria pré-existente — algo reconhecido até pela LXX (Septuaginta), que traduz como:
ἐν ἀρχῇ ἐποίησεν ὁ θεὸς τὸν οὐρανὸν καὶ τὴν γῆν
“No princípio fez o Deus o céu e a terra.”
— Gênesis 1:1 | LXX Lucianic
Origem da distorção
O século XIX assistiu a uma guinada epistemológica. Com o surgimento do materialismo científico e o avanço da crítica histórica, Bereshit foi relegado à mitologia, e o conceito de criação foi reinterpretado como alegoria.
Teorias como o Big Bang, embora não excluam um início absoluto, tornaram-se trincheiras filosóficas contra a ideia de um Criador consciente. A Bíblia deixou de ser uma fonte ontológica e passou a ser vista como construção cultural.
Mas o texto não cede: ele antecede as categorias científicas e resiste às reduções modernas. Sua estrutura, léxico e intertextualidade indicam intencionalidade, não acaso.
Impacto atual
Essa negação da origem transcendente gerou um vácuo moral e existencial. Se tudo veio do nada, então tudo pode voltar ao nada — e a vida perde qualquer propósito objetivo.
É por isso que a restauração de Bereshit não é apenas uma questão teológica: é uma urgência civilizacional. Sem origem, não há destino.
No mundo islâmico, a criação é afirmada com firmeza. Em culturas orientais, o princípio eterno é contemplado com reverência. Mas no Ocidente secularizado, o texto foi removido dos currículos e das consciências.
Evidência negligenciada
Os Manuscritos do Mar Morto confirmam a estabilidade do texto de Bereshit 1:1 ao longo de milênios. O fragmento 4QGen-b (4Q2), datado de cerca de 200 a.C., contém as palavras exatas do verso conforme preservado no Texto Massorético.
Além disso, comentários antigos como o Targum Onkelos (séc. I d.C.) traduzem:
“Desde o princípio, por sabedoria, criou YHWH...”
O Midrash Bereshit Rabbah declara:
“Bereshit — por causa da Torah e do Mashiach, que estavam com o Eterno no princípio.”
Essa associação entre o Princípio e a Palavra reaparece com autoridade em Yochanan (João) 1:1:
“No princípio estava a Palavra, e a Palavra estava com Elohim, e a Palavra era Elohim.”
— Texto grego: Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος...
Retorno à aliança
A restauração de Bereshit é a restauração da fé racional: o reconhecimento de que o universo tem origem, direção e propósito — porque foi criado por um Dabar eterno.
Em um mundo ofuscado por teorias, a Escritura oferece revelação. A ciência pergunta “como”; a Escritura responde “por quê”.
O retorno começa por reconhecer o Autor:
“Lembrai-vos das coisas passadas desde a antiguidade, porque eu sou El, e não há outro... que anuncio o fim desde o princípio.”
— Yesha’yahu (Isaías) 46:9-10
Este “princípio” não é cronológico: é ontológico. É o ponto de contato entre o Infinito e a criação — entre o Elohim de Bereshit e a humanidade convocada à sua aliança.
Fontes, glossário e morfologia
| Termo | Tradução | Strong’s | Morfologia | Referência |
|---|---|---|---|---|
| Bereshit | No princípio | H7225 | Subst. fem. sing. c/ prep. | Gn 1:1 |
| Bara | Criou | H1254 | Verbo Qal perf. 3ª masc. sing. | Gn 1:1 |
| Elohim | Poderoso(s)/Deus | H430 | Subst. masc. pl. | Gn 1:1 |
| Et | Partícula do objeto | H853 | Part. acusativa | Gn 1:1 |
| Hashamayim | Os céus | H8064 | Subst. masc. pl. c/ art. def. | Gn 1:1 |
| Ha’aretz | A terra | H776 | Subst. fem. sing. c/ art. def. | Gn 1:1 |

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