O Primeiro Dia da Semana: Fraude Semântica?

Desde o século IV, um dos maiores deslizamentos semânticos das traduções bíblicas tem passado despercebido até mesmo pelos estudiosos das Escrituras: a expressão “o primeiro dia da semana”, presente nos relatos da ressurreição de Yeshua (Jesus), pode não significar o que por séculos se tem proclamado. Mais do que um erro de tradução — trata-se de uma operação semântica orquestrada que deslocou o eixo da fé hebraica para um novo calendário eclesiástico. Estamos diante de uma das mais profundas rupturas entre o texto original e a tradição posterior?

Nesta investigação, examinamos os manuscritos originais em grego e hebraico, os léxicos críticos e a estrutura narrativa dos Evangelhos para reconstruir o que realmente se afirma em frases como “no primeiro dia da semana” — e o que isso revela sobre o calendário de YHWH (יהוה), a contagem dos dias sagrados e a tentativa de apagar o Shabat.

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A expressão em disputa: “πρωῒ τῇ μιᾷ τῶν σαββάτων”

Nos principais relatos da ressurreição de Yeshua, a expressão grega usada é:
τῇ μιᾷ τῶν σαββάτων
Transliteração: tē mia tōn sabbatōn
Tradução literal: "no (dia) um dos Shabats"
– Strong’s G3391 (μία): numeral feminino de “um”
– Strong’s G4521 (σάββατον): plural de “Shabat” (descanso, sábado)
– Morfologia: Artigo Dat. Fem. Sing. + Numeral Fem. Sing. + Gen. Plur. Neut.

Esse é o ponto crítico: a expressão não diz “primeiro dia da semana”. Ela afirma literalmente: “no (dia) um dos Shabats” ou “no primeiro dos Shabats” — uma referência direta ao ciclo de contagem dos sete Shabats até Shavuot (Pentecostes), conforme prescrito em Vayiqra (Levítico) 23:15-16:

“Contareis para vós desde o dia seguinte ao Shabat… sete Shabats completos…” (Lv 23:15)

Portanto, os Evangelhos estariam alinhando a ressurreição de Yeshua ao primeiro Shabat contado após o Shabat da Páscoa, no ciclo de sefirat haOmer — e não ao “domingo” como primeiro dia da semana gregoriana.

A origem da fraude semântica

A substituição de “Shabats” por “semana” não é uma falha de tradução, mas uma fraude semântica sistemática, iniciada após o Concílio de Laodiceia (c. 363 d.C.), que proibia os seguidores do Mashiach de “judaizar guardando o sábado” (Cânon 29).

Para consolidar o novo calendário dominical romano, as versões bíblicas passaram a ocultar as referências ao Shabat hebraico nos relatos da ressurreição. A Vulgata Latina de Jerônimo traduziu:

una sabbati → interpretado como “dies dominica”
“o primeiro [dia] do Shabat” → distorcido para “domingo” (dia do Senhor)

Esse processo foi posteriormente reforçado nas traduções reformadas. A versão Almeida (atualizada) verte:

“No primeiro dia da semana, bem cedo, ao amanhecer...” (Lc 24:1)

Mas o texto grego diz:

Τῇ δὲ μιᾷ τῶν σαββάτων ὄρθρου βαθέως
“E no um dos Shabats, ainda bem cedo...”

A tradução “semana” para “σαββάτων” não encontra respaldo gramatical nem contextual. O plural grego sabbatōn nunca é usado para “semana” no grego bíblico. Isso configura uma adulteração conceitual para apagar a referência ao ciclo das festas de YHWH.

Diagnóstico: a ruptura entre calendário e aliança

O impacto desse desvio é profundo. Ao deslocar a ressurreição de Yeshua para um “domingo”, em vez de situá-la dentro da contagem do Omer, rompe-se a ligação profética entre:

  1. Pesach (Páscoa) – o Cordeiro imolado

  2. Sefirat haOmer – contagem dos 7 Shabats

  3. Shavuot (Pentecostes) – derramar da Ruach

O Evangelho de Yohanan (João) dá uma pista vital:

“Yeshua ressuscitou na madrugada do primeiro [Shabat]…” (Jo 20:1)

A ressurreição é apresentada como primícia entre os que dormem (1Co 15:20), cumprindo a festa das primícias — que ocorre exatamente no dia após o Shabat da Páscoa (Lv 23:11).

Ou seja: Yeshua ressuscitou no dia 1 da contagem do Omer, como primícia da nova criação — e não num “domingo genérico”.

Revelação-chave: a contagem profética foi apagada

Em cada Evangelho, a expressão usada é a mesma:

  • Mt 28:1 – “τῇ ἐπιφωσκούσῃ εἰς μίαν σαββάτων” – ao amanhecer para o um dos Shabats

  • Mc 16:2 – “λίαν πρωῒ τῇ μιᾷ τῶν σαββάτων” – muito cedo no um dos Shabats

  • Lc 24:1 – “τῇ δὲ μιᾷ τῶν σαββάτων ὄρθρου βαθέως” – ainda no um dos Shabats

  • Jo 20:1 – “τῇ δὲ μιᾷ τῶν σαββάτων” – no um dos Shabats

Todos os textos apontam para a mesma realidade litúrgica: a ressurreição ocorreu no início da contagem dos Shabats proféticos, não num “domingo romano”.

Convocação: retornar ao calendário da Aliança

A restauração desse entendimento tem implicações litúrgicas, proféticas e espirituais. A teologia do “domingo cristão” nasce não de uma ordem apostólica, mas de um desvio semântico e político-religioso.

O chamado é claro:
Retornar à contagem do Omer. Voltar ao calendário de YHWH. Reconectar a ressurreição à Torah.


Bloco Técnico

Fontes principais:

  • Nestle-Aland 28ª ed. – Texto Crítico do NT grego

  • Codex Sinaiticus e Vaticanus – Manuscritos principais

  • Peshitta siríaca – ܒܚܕ ܒܫܒܐ (b’ḥad b’shaba) – “no um do Shabat”

  • Léxicos: BDAG, Thayer, Strong’s


Glossário

TermoTraduçãoStrong’sMorfologiaReferência
Shabat (שַׁבָּת)Descanso / sábadoH7676Subst. masc. sing.Gn 2:2, Lv 23:3
Sabbatōn (σάββατον)Sábado / Shabats (plural)G4521Subst. neutro pluralMt 28:1, Mc 16:2
Mia (μία)Um / primeiraG3391Numeral fem. sing.Mt 28:1, Lc 24:1
Sefirat haOmerContagem do Omer (cevada)Expressão hebraicaLv 23:15-16

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