A primeira etapa desta investigação demonstrou que nefesh (נֶפֶשׁ) não significa "alma imortal", mas sim “ser vivente” — uma existência corporal animada pelo sopro de יהוה (YHWH). Agora, ampliamos a escavação: quando e onde essa compreensão foi alterada?
Vamos examinar a Septuaginta (LXX) e os Escritos Apostólicos, para verificar se os autores preservaram a cosmovisão hebraica ou se houve influência de estruturas filosóficas gregas. A pergunta permanece viva: → A doutrina da “alma imortal” foi revelada pelos profetas ou importada da filosofia?
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ψυχή (psyché) não equivale a nefesh
Na tradução da Torah e dos Nevi’im (Profetas) para o grego (LXX, séc. III a.E.C.), o termo hebraico nefesh foi vertido como ψυχή – psyché (alma / vida) – Strong’s G5590 | Subst. fem. sing.
No entanto, no grego clássico, ψυχή já carregava uma estrutura de pensamento alheia à aliança:
| Escola | Visão de psyché |
|---|---|
| Platão | Imortal, incorpórea, pré-existente ao corpo |
| Aristóteles | Forma essencial do corpo, com graus (vegetativa, sensitiva, racional) |
| Órficos | Alma como centelha caída, aprisionada no corpo, liberta pela morte |
⚠️ Essa carga semântica não existia no hebraico bíblico, e sua adoção abriu espaço para interpretações estranhas à revelação.
Exemplo central:
-
Gênesis 2:7 (LXX)
“...e o homem tornou-se uma psyché zōsan (ψυχὴν ζῶσαν)”
→ Tradução formalmente correta de nefesh chayah (נֶפֶשׁ חַיָּה), mas filtrada por lentes gregas, nas quais a “alma” é algo em si mesma viva, separada do corpo.
🔍 Resultado: mesmo com vocabulário semelhante, o sentido espiritual é deslocado — de um ser integral e terreno para uma entidade espiritual autônoma.
Escritos Apostólicos: psyché com sentido hebraico
Os manuscritos gregos dos Escritos Apostólicos foram redigidos em koiné, mas partindo de uma matriz hebraica. Assim, embora o vocabulário seja grego, o pensamento mantém traços da cosmovisão da aliança.
Exemplo 1 – Yeshua
-
Mattityahu (Mateus) 16:26
“Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua psyché?”
🧭 Psyché aqui significa “vida” (nefesh), não “alma imortal”. A perda é da existência plena diante de YHWH, não de uma substância espiritual separada.
Exemplo 2 – Ma’asim (Atos) 2:41
“...foram acrescentadas naquele dia cerca de três mil psychai.”
→ Referência a pessoas vivas, não “almas” etéreas.
Exemplo 3 – Yaakov (Tiago) 5:20
“...salvará da morte uma psyché.”
⚠️ Se pode morrer, não é imortal por natureza.
📘 Comparar com Almeida: onde aparece “alma”, o sentido original é vida, ser humano, pessoa — nunca “essência espiritual desencarnada”.
A ruptura ocorreu com a recepção latina
A verdadeira transgressão hermenêutica não está no grego dos apóstolos, mas em sua posterior latinização filosófica.
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A Vulgata (Jerônimo, séc. IV) verteu psyché como anima, termo já impregnado pelo dualismo romano.
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Teólogos latinos como Agostinho de Hipona fundiram anima com a alma platônica, afirmando:
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Imortalidade natural da alma
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Tormento eterno imediato após a morte
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Céu como destino pós-morte, não após ressurreição
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⚠️ Esse sistema não procede da Torah nem das palavras de Yeshua — mas da fusão da Escritura com sistemas externos.
O ensino do Ungido reafirma a ressurreição — não a separação
Yeshua nunca ensinou que a alma sobe ao céu após a morte. Ele reafirmou o sono dos mortos e a esperança na ressurreição:
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Yochanan (João) 5:28-29
“...todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz...”
→ Os mortos estão nos sepulcros.
→ O despertar virá pela palavra do Filho do Homem.
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Lucas 8:52
“A menina não morreu, mas dorme.”
→ Morte como sono, não transição da alma.
🔍 Não há menção a alma imortal. A esperança é na reversão da morte pela intervenção de YHWH, não na sobrevivência da alma.
Psyché pode ser destruída
-
Mattityahu (Mateus) 10:28
“Temei aquele que pode destruir tanto psyché quanto corpo na Gehinom.”
→ A alma não é indestrutível.
→ A preservação da psyché é condicional à justiça de YHWH.
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1 Tessalonicenses 5:23
“...e todo o vosso ruach, psyché e corpo sejam conservados...”
→ O ser humano é unidade viva.
→ O propósito é conservação integral — não libertação espiritual.
Desperta, ó tu que dormes
O ensinamento do Ungido aponta para a ressurreição — não para a libertação de uma alma presa.
Negar a morte da psyché é negar o poder de YHWH para restaurar os que dormem no pó.
“Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e o Ungido te iluminará.”
— Efésios 5:14
Está chegando o dia em que o Ungido chamará pelo nome, e os sepultos ouvirão. Que não nos encontrem embriagados pelo vinho do platonismo — mas despertos pela voz do Pastor.
Bloco Técnico
| Termo | Tradução | Strong’s | Morfologia | Referência |
|---|---|---|---|---|
| Psyché (ψυχή) | Vida / ser vivente | G5590 | Subst. fem. sing. | Mt 16:26 |
| Pneuma (πνεῦμα) | Sopro / espírito | G4151 | Subst. neut. sing. | 1Ts 5:23 |
| Anima (latim) | Alma (lat.) | — | Subst. fem. | Vulgata |
| Gehinom (γέεννα) | Vale do julgamento | G1067 | Subst. fem. | Mt 10:28 |
🧭 Classificação Hermenêutica do Tema:
• Psyché nos apóstolos: A – Convergência de fontes
• Hellenização da alma: B – Fundamento parcial
• Agostinho e o dualismo: C – Leitura interpretativa
• Céu imediato pós-morte: D – Hipótese especulativa

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