A pergunta ecoa em muitas consciências: um cristão pode investir em bolsa de valores, títulos públicos, LCI, LCA? Durante séculos, tradições religiosas moldaram a ideia de que o ganho financeiro seria necessariamente ligado à ganância. Contudo, os escritos mais antigos não condenam a multiplicação de recursos, mas a idolatria que deles pode nascer.
Este artigo não busca legitimar ambição desmedida nem reforçar moralismos, mas restaurar a perspectiva bíblica original — textual, histórica e profética. A partir da Torah (Instrução), dos escritos de sabedoria e das palavras de Yeshua (Ungido), veremos que o foco nunca foi proibir investimentos, mas redimir a forma como lidamos com os bens.
Aqui investigaremos os fundamentos: administração fiel, justiça social, diversificação prudente e a advertência constante contra a avareza.
Leia também:
- A parábola dos talentos: produtividade ou condenação?
- Riqueza e pobreza nos profetas de Israel
- Dívidas e libertação no ano de Shemitah
Exposição Técnica
Administração fiel: parábola dos talentos
Em Mt 25:14–30, Yeshua conta sobre servos que receberam talentos (G5007 talanton, medida de valor). O servo que enterrou o recurso foi chamado de “mau e negligente”. O princípio é inequívoco: fazer frutificar com diligência é parte da fidelidade.
Justiça e limites da usura
A Torah (Dt 23:19–20) proíbe cobrar juros abusivos (neshek, H5392, mordida) de um irmão israelita. O alvo não era eliminar a economia, mas evitar exploração. A mesma passagem permite juros de estrangeiros, mostrando que o problema era a opressão, não o rendimento em si.
Diversificação como sabedoria
Qohelet (Eclesiastes) orienta: “Reparte com sete, e ainda com oito, porque não sabes que mal haverá sobre a terra” (Ec 11:2). O verbo hebraico chalêq (H2505 | Qal imperativo) significa “dividir, repartir”. Este conselho ecoa o princípio moderno de não concentrar investimentos em um só ativo.
Diagnóstico: de onde vem a confusão
A tradição medieval confundiu “riqueza” com “pecado” e associou qualquer ganho a usura ilícita. Porém, nas Escrituras:
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Avraham (Abraão) era rico em prata e ouro (Gn 13:2).
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Yosef (José) gerenciava estoques e finanças do Egito (Gn 41).
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Os profetas denunciaram não a posse, mas o acúmulo opressor (Am 8:4–6).
A distorção nasce quando traduções simplificadas colocam “dinheiro” como “mal em si”. O texto original aponta para algo mais profundo: o amor à riqueza como ídolo, não a gestão responsável dela.
Aplicação Atual
Um discípulo de Yeshua pode investir em:
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B3 (ações e fundos) → desde que evite setores de exploração, corrupção e vícios.
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Títulos públicos → são empréstimos ao Estado; cabe examinar a consciência em relação ao destino dos recursos.
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LCI, LCA, CDB, fundos → meios válidos de multiplicar, se usados com prudência.
A Escritura só condena quando:
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o recurso se torna senhor da vida (Mt 6:24, mammon G3126);
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o ganho depende da opressão do fraco;
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o coração perde contentamento (1Tm 6:10).
Revelação-Chave
O ensino não é contra investimento, mas contra falsa segurança.
“Não ajunteis tesouros na terra...” (Mt 6:19).
O verbo grego thēsaurizō (G2343) significa “armazenar como tesouro”, no sentido de confiar nele.
O discípulo pode multiplicar recursos, mas deve saber:
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Todo ganho pertence a YHWH (Dt 8:18).
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O objetivo é sustento, generosidade e justiça.
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O tesouro maior é eterno, não financeiro.
Convocação
O chamado é claro: investir não é pecado, mas confiar no dinheiro é idolatria.
A restauração nos conduz a:
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aplicar com sabedoria;
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repartir com generosidade;
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jamais substituir o Reino pela bolsa.
“Examinai tudo. Retende o que é bom.” (1Ts 5:21).
Bloco Técnico
Fontes
- Torah: Dt 23:19–20 (Codex Leningradensis; 4QDeut).
- Ketuvim: Ec 11:2 (LXX: meriseis eis hepta).
- Evangelhos: Mt 25:14–30; Mt 6:19–24 (Codex Vaticanus).
- Epístolas: 1Tm 6:10 (Peshitta).
Glossário
| Termo | Tradução | Strong’s | Morfologia | Referência |
|---|---|---|---|---|
| Torah | Instrução | H8451 | Subst. fem. sing. | Dt 23:19 |
| Neshek | Mordida, usura | H5392 | Subst. masc. sing. | Dt 23:19 |
| Chalêq | Repartir, dividir | H2505 | Qal imperativo | Ec 11:2 |
| Mammon | Riqueza, posse | G3126 | Subst. masc. sing. | Mt 6:24 |
| Thēsaurizō | Amontoar tesouro | G2343 | Verbo inf. pres. | Mt 6:19 |
| Talanton | Medida de valor | G5007 | Subst. neutro sing. | Mt 25:15 |

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