Logo no primeiro versículo da Bíblia, o hebraico nos confronta com uma revelação negligenciada: Elohim criou “os céus” — no plural. Séculos depois, Shaul (Paulo) relatou ter sido arrebatado ao “terceiro céu”. A convergência entre Bereshit e os Escritos Apostólicos expõe uma cosmologia que as traduções e religiões reduziram a um céu único. A reportagem investiga: por que a pluralidade dos céus foi apagada da fé e qual seu impacto na compreensão profética atual.
Leia também:
- Bereshit 1: A criação como arquitetura cósmica
- Salmos e a linguagem dos céus
- Mashiach e a ascensão acima dos céus
Tese e erro histórico
O erro recorrente das tradições está em uniformizar a revelação bíblica. Onde o hebraico diz shamayim (céus), muitas versões traduziram apenas “céu”. O resultado: um achatamento da visão espiritual, reduzindo o cosmos a dois polos (céu e inferno), quando a Escritura apresenta múltiplos céus em hierarquia.
Base textual
-
Gn 1:1 (hebraico): Bereshit bara Elohim et hashamayim ve’et ha’aretz → “No princípio criou Elohim os céus e a terra.”
• Shamayim – Strong’s H8064 | masc. plural. -
Sl 115:16 (hebraico): Hashamayim shamayim l’YHWH → “Os céus dos céus são de YHWH.”
-
2Co 12:2 (grego): harpagenta ton toiouton heos tritou ouranou → “Foi arrebatado até o terceiro céu.”
• Ouranos – Strong’s G3772 | masc. sing./pl., usado no plural em diversos contextos.
Origem da distorção
-
Traduções latinas e vernáculas (Vulgata, depois versões europeias) que preferiram o singular “caelum” para harmonizar com a cosmologia greco-romana.
-
Dogmas medievais que temiam especulações apocalípticas e suprimiram tradições judaicas do Segundo Templo (que falavam de até sete céus).
-
Simplificação catequética: um “céu” e um “inferno” eram mais fáceis de transmitir ao povo do que uma estrutura de múltiplos céus.
Impacto atual
Essa simplificação produziu uma fé de horizonte estreito. Muitos creem num “céu espiritual” distante, sem perceber que a própria Escritura revela dimensões sucessivas:
-
Primeiro céu: atmosfera (Gn 1:20).
-
Segundo céu: astros e constelações (Gn 1:14–18).
-
Terceiro céu: trono e glória do Altíssimo (2Co 12:2).
Essa visão não é misticismo: é exegese fiel.
Evidência negligenciada
-
Targum aramaico de Dt 10:14: “Eis que a ti pertencem os céus e os céus dos céus...”
-
Literatura do Segundo Templo: 2 Enoque e Hagigá 12b falam de múltiplos céus.
-
Profetas: Isaías 66:1 já declara: “O céu é o meu trono, e a terra, o escabelo dos meus pés.” O texto supõe níveis de habitação, não um céu uniforme.
Retorno à aliança
Restaurar a pluralidade dos céus é restaurar a esperança escatológica. Não estamos limitados a uma visão dualista: a criação é multidimensional, e o Mashiach é aquele que ascendeu “acima de todos os céus” (Ef 4:10), inaugurando acesso ao Trono.
A fé bíblica não é achatada; é arquitetônica. O convite é à teshuvah (retorno), reconhecendo que a realidade espiritual tem camadas, e que a Escritura nos chama a caminhar com YHWH até o lugar de Sua presença — o mais alto céu.
Glossário
| Termo | Tradução | Strong’s | Morfologia | Referência |
|---|---|---|---|---|
| Shamayim | Céus | H8064 | masc. plural | Gn 1:1 |
| Sh’mei hashamaim | Céus dos céus | H8064 + construto | Dt 10:14; Sl 115:16 | |
| Ouranos | Céu | G3772 | masc. sing./pl. | 2Co 12:2 |

Comentários
Postar um comentário