Riqueza na Bíblia: condenação ou bênção?

A palavra “riqueza” desperta tanto desejo quanto temor. Em muitas tradições cristãs modernas, consolidou-se a ideia de que o discípulo de Yeshua (Jesus) deveria viver pobre, evitando profissões que conduzissem a uma vida abastada. Mas será que a Escritura realmente condena a busca por uma profissão digna e uma vida de provisão estável?

O que encontramos nos manuscritos hebraicos, gregos e aramaicos é uma visão muito diferente da simplificação comum. A riqueza, no pensamento bíblico, não é pecado em si, mas sim um teste de fidelidade. O problema nunca foi possuir bens, mas deixar-se possuir por eles.

Neste artigo, investigaremos os termos originais, a cosmovisão hebraica, as traduções distorcidas e o que isso significa para quem hoje busca uma vida profissional próspera sem romper a aliança com יהוה (YHWH).

Leia também:



Exposição Técnica

No hebraico, “riqueza” é frequentemente traduzida de hôn (riqueza, bens) – Strong’s H1952 | Subst. masc. sing., derivado de uma raiz que indica substância, valor, posse. Outro termo é ‘ōšer (riqueza, abundância) – Strong’s H6239 | Subst. masc. sing., que em textos como Mishlei (Provérbios) 10:22 é associado diretamente à bênção de YHWH:

“A bênção de יהוה é que enriquece (‘ōšer), e com ela não vem dor.”

No grego dos Escritos Apostólicos, aparece ploutos (riqueza, abundância) – Strong’s G4149 | Subst. masc. sing., usado tanto para bens materiais quanto para os “tesouros espirituais” (Ef 1:18). Ou seja, o termo nunca é intrinsecamente negativo.

Quando Yeshua adverte em Mt 6:24:

“Não podeis servir a Elohim e às riquezas (mamōnas – Strong’s G3126 | Aramaísmo, masc. sing.).” Ele não condena o trabalho ou a provisão, mas o espírito de avareza que escraviza o coração. “Mamōnas” era mais que dinheiro — era a personificação idolátrica da confiança nos bens.

Diagnóstico Histórico

A ideia de que o seguidor do Ungido deveria rejeitar toda busca de profissão ou estabilidade material foi uma interferência tardia. Nos primeiros séculos, o ideal ascético helenístico (influenciado por estoicos e gnósticos) associava pobreza material com pureza espiritual. Esse pensamento contaminou leituras bíblicas e gerou tradições monásticas que viam o trabalho e a prosperidade como mundanos.

Entretanto, no contexto hebraico, a Torah (Instrução) – Strong’s H8451 | Subst. fem. sing. ordena trabalho honesto e celebra a prosperidade como fruto da fidelidade. O Shabat, por exemplo, só pode ser guardado plenamente se houver sustento digno durante a semana. O texto não separa espiritualidade de profissão, mas integra ambos.

Assim, a ruptura não está no texto, mas na teologia posterior que desconfiava da matéria e exaltava a renúncia absoluta como caminho espiritual.

Aplicação Atual

Muitos crentes hoje vivem em dilema: se buscarem uma profissão sólida e bem remunerada, estariam traindo a fé? A visão restaurada mostra o oposto: trabalhar com excelência e buscar abundância é parte do chamado da aliança, desde que o coração permaneça íntegro diante de YHWH.

O perigo não está em ter riqueza, mas em desviar o coração dela. A Escritura adverte: “Se as riquezas aumentam, não ponhais nelas o vosso coração” (Sl 62:10). A questão é onde está a confiança: no Elohim vivo ou no “mamōnas”?

Assim, a vida abastada pode ser tanto bênção quanto laço — depende da fidelidade do homem à instrução.

Revelação-Chave

O ponto negligenciado é que Yeshua e os emissários nunca proibiram profissão ou bens. Shaul (Paulo), em Atos 18:3, exercia sua profissão de skēnopoios (fabricante de tendas) – Strong’s G4635 | Subst. masc. sing., sustentando-se enquanto pregava. Ele mesmo ensinou: “Quem não quiser trabalhar, não coma” (2Ts 3:10).

Outro detalhe crucial: as promessas de Devarim (Deuteronômio) 28 mostram que a fidelidade gera abundância material e espiritual. A aliança nunca separou os dois. O que se perdeu foi o entendimento de que a abundância é instrumento de serviço, não de orgulho.

Portanto, a Bíblia não condena o cristão (ou melhor, o discípulo do Ungido) de buscar profissão e prosperidade. O que ela condena é a inversão: fazer da riqueza o senhor da vida.

Convocação

Restauração é retornar ao equilíbrio da aliança. Trabalhar com excelência, prosperar e sustentar a casa é mandamento — mas sempre lembrando que toda provisão vem de יהוה. A verdadeira condenação não está na busca da riqueza, mas na idolatria da riqueza.

É tempo de resgatar a visão de que profissão e abundância não são maldição, mas ferramentas para cumprir o chamado. O discípulo fiel não foge da responsabilidade material, mas a administra em temor e justiça.

“Examinai tudo. Retende o que é bom.” (1Ts 5:21)


Bloco Técnico

TermoTraduçãoStrong’sMorfologiaReferência
hônriqueza, bensH1952Subst. masc. sing.Pv 12:27
‘ōšerriqueza, abundânciaH6239Subst. masc. sing.Pv 10:22
Torahinstrução, direçãoH8451Subst. fem. sing.Dt 6:1
ploutosriqueza, abundânciaG4149Subst. masc. sing.Ef 1:18
mamōnasriquezas (personificadas)G3126Subst. masc. sing.Mt 6:24
skēnopoiosfabricante de tendasG4635Subst. masc. sing.At 18:3

Comentários