A palavra “riqueza” sempre esteve cercada de ambiguidade. Para alguns, possuir bens é sinal de bênção divina; para outros, é marca de corrupção e egoísmo. Essa dicotomia se deve, em parte, a traduções e interpretações tardias que não preservaram a nuance da Torah (Instrução – Strong’s H8451 | Subst. fem. sing.) e nem o peso profético da fala de Yeshua (Ungido).
A tradição hebraica não via a riqueza como um mal em si, mas como instrumento de justiça. O problema nunca foi possuir, mas deixar-se possuir — trocar o Elohim vivo por Mammon, senhor invisível do acúmulo. Nesta reportagem, investigamos como o termo “riquezas” aparece nos manuscritos hebraicos, aramaicos e gregos, e como sua má interpretação gerou dois extremos: o evangelho da pobreza obrigatória e o evangelho da prosperidade ilimitada.
O objetivo é restaurar o equilíbrio: a riqueza como dom de יהוה (YHWH), mas também como prova de fidelidade.
Exposição Técnica
O termo hebraico principal é ʿōsher (riqueza) – עֹשֶׁר | Strong’s H6239 | Subst. masc. sing.. Deriva da raiz ʿ-š-r (ser rico, prosperar), presente em textos como Mishlei (Provérbios) 10:22:
“A bênção de יהוה é a que enriquece (maʿašer – מַעֲשִׁיר | Particípio Hiphil masc. sing.), e com ela não vem dor.”
Já nos Escritos Apostólicos, Yeshua confronta o uso grego de πλοῦτος (ploutos – riqueza, abundância), destacando a armadilha da confiança em bens materiais (Mt 13:22). No aramaico da Peshitta, aparece ʿūtrā (ܥܘܬܪܐ), termo que carrega ideia de peso, fardo acumulado.
A tensão se intensifica quando Yeshua declara:
“Não podeis servir a Elohim e a Mammon (Μαμμωνᾶς | translit. aramaico: mamōnā’ – tesouro/fortuna).” (Mt 6:24)
Aqui não há condenação do possuir, mas do servir (δουλεύειν – ser escravo). O ponto não é a existência da riqueza, mas a sujeição a ela.
Diagnóstico Histórico
Após a destruição do Segundo Templo (70 d.C.), a mentalidade judaica de comunidade e redistribuição (shmitah e yovel) foi suprimida pelo avanço do império romano e, mais tarde, pelas leituras helenizadas do cristianismo nascente. A riqueza passou a ser interpretada dentro da lógica greco-romana de status, poder e patronato.
No medievo, a Igreja institucionalizou a ideia de que pobreza voluntária era caminho de santidade, ignorando a visão de Torah sobre trabalho, herança e frutificação. Já na modernidade, o pêndulo girou para o oposto: o “evangelho da prosperidade”, onde riqueza se tornou sinônimo de espiritualidade — anulando a advertência de Yeshua sobre o perigo do coração dividido.
Ambos os extremos nasceram de traduções e interpretações desconectadas da cosmovisão hebraica.
Aplicação Atual
Hoje, seguimos prisioneiros desse dilema: alguns demonizam o dinheiro, outros o idolatrizam. No entanto, o chamado profético é para enxergar os bens como ferramentas da aliança. O que possuímos deve sustentar justiça, hospitalidade e transmissão de herança, não alimentar vaidade ou opressão.
A pergunta não é: “É pecado ser rico?” — mas sim: “A quem minha riqueza serve?”
Riqueza que não serve à aliança, serve a Mammon.
Revelação-Chave
Um detalhe negligenciado aparece em Devarim (Deuteronômio) 8:18:
“Lembra-te de יהוה teu Elohim, porque é Ele quem te dá força (koach – כֹּחַ | Strong’s H3581 | Subst. masc. sing.) para adquirir riqueza (ʿōsher – עֹשֶׁר), a fim de confirmar a Sua aliança (berit – בְּרִית).”
Ou seja: a razão da riqueza não é luxo pessoal, mas confirmação da aliança. O possuidor torna-se testemunha viva de que Elohim sustenta e abençoa. Essa chave se perdeu quando riqueza foi separada da fidelidade à Torah.
Convocação Profética
Se a riqueza que possuímos não confirma a aliança, ela confirma outro senhor. Yeshua não nos chamou à pobreza ritual, nem ao acúmulo predatório, mas ao uso justo dos bens. É tempo de recuperar a visão hebraica: riquezas são dom quando sustentam justiça, mas armadilha quando nos fazem servos do acúmulo.
“Examinai tudo. Retende o que é bom.” (1Ts 5:21)
Bloco Técnico
| Termo | Tradução | Strong’s | Morfologia | Referência |
|---|---|---|---|---|
| Torah | Instrução | H8451 | Subst. fem. sing. | Dt 1:5 |
| ʿōsher | Riqueza | H6239 | Subst. masc. sing. | Pv 10:22 |
| maʿašer | Enriquecer | H6238 | Particípio Hiphil masc. sing. | Pv 10:22 |
| koach | Força | H3581 | Subst. masc. sing. | Dt 8:18 |
| berit | Aliança | H1285 | Subst. fem. sing. | Dt 8:18 |
| ploutos | Riqueza | G4149 | Subst. masc. sing. | Mt 13:22 |
| Mammon (mamōnāʾ) | Tesouro/fortuna | G3126 | Subst. masc. sing. | Mt 6:24 |
| ʿūtrā | Riqueza | — | Subst. masc. sing. (siríaco) | Peshitta Mt 6:24 |

Comentários
Postar um comentário